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14 settembre, 2006

O Nascimento

"“É menina!” Bradou Rosa, num ímpeto de felicidade, para si mesma. Não havia mais ninguém a acompanhando por ali, sempre havia sido sozinha, e agora despejava sua primeira e única filha para fora de si, na mesma condição. Era tão sozinha que seria absolutamente ilógico ponderar sobre a natureza de sua gravidez. Qualquer que fosse o motivo, não convém descrevê-lo, e muito menos julgá-lo, sob pena de dar com os cascos n’água.

Não tinha um nome para a recém-nascida, mas já tinha certeza irrestrita sobre a existência singular que a aguardava, fartamente recheada de fatos operados por forças sobrenaturais e bênçãos de todos os deuses. Rosa não era pagã, mas sabia que uma filha como a sua não deveria confinar-se a um só deus. Decidiu nomeá-la Mimosa, em homenagem a uma planta ornamental que conheceu certa feita. Não era de seu feitio demonstrar apreço aos outros seres do mundo, mas dessa vez estava convicta que deveria fazê-lo, devido à beleza descomunal que havia enxergado no vegetal.

Não iria a cartórios, nem batismos, dada a sua solidão absoluta; simplesmente a chamaria de Mimosa e daria por concluído qualquer obrigação burocrática. Sequer suspeitava da natureza bovina do nome de sua filha, já que era, de fato, muito sozinha.

A mulher conhecia nada sobre sua própria origem, ou bloqueou todo conhecimento sobre isso, já que o autor não consegue entrever sequer um indício sobre tal fato. Porém, é sabido que ela possui uma desenvoltura invulgar para estar consigo mesma. Hábito que adquiriu da macieira que residia em seu quintal, aliás, as duas existências confundiam-se em sua origem. Por vezes, Rosa pensava ser um galho da árvore frutífera, o que tornaria Mimosa uma maçã. Ela não estaria de todo errada, não fosse o choro da recém-nascida.

Mimosa possuía um par de pulmões de se encher os ouvidos. Cada cacarejo do bebê ecoava pela casa toda e chegava até o quintal. Curiosamente, o barulho não ultrapassava o limite do terreno onde elas estavam. Era como se estivessem absolutamente só. E estavam, pois há nenhuma outra personagem humana nessa estória.

A nova mãe levantou-se e manejou o nenê de forma que o cordão umbilical ficasse ao alcance de sua boca. Desferiu uma dentada, libertando Mimosa. Pronto. Estava feito. A mulher sabia, instintivamente, que não se deve prender os filhos em casa; então tratou de ir até o quintal e deixar sua filha no chão. Empurrou-a com o pé, para estimulá-la a sair de casa. O bebê não respondia, apenas continuava ensaiando diferentes tons de berros.

A mulher resolveu ajudá-la a parar de gritar, para que não cansasse a voz, colocando um punhado de terra em sua garganta. Afinal, usaria as palavras abundantemente, dado seu destino extraordinário. E, já que havia começado a ajudar, resolveu auxiliá-la a levantar-se e permanecer ereta. Rasgou um pedaço de pano do seu vestido e foi até a macieira pegar um galho. Amarrou-o nas costas do bebê e encostou-o na árvore. Deu dois passos para trás e contemplou o resultado de seu trabalho por um ou dois segundos. Deu um passo adiante e tocou no ombro de Mimosa como que diz “vai, vai agarrar seu destino”. Indicou o caminho, apontando com o dedo. Mimosa continuava gritando.

Rosa sorriu ternamente com os olhos mareados de orgulho. “Minha filha!”, exclamou para si mesma. Achegou a mão ao rosto da criança, que parecia se acalmar com a proximidade maternal, e fez alguns afagos. Balançou a cabeça negativamente, pré-dizendo a efemeridade dos momentos, e afastou-se novamente. Grunhiu alguma palavra e virou as costas. Suspirou tão profundamente que seus ombros levantaram-se efusivamente. Se houvesse outra personagem, esta poderia interpretar esse fato erroneamente: acharia que a mãe está “dando de ombros” para uma recém-nascida, depois de amarrá-la e deixá-la ao pé de uma árvore. Obviamente, não é o caso. A mãe entrou na casa e bateu a porta, trancando-a com três cadeados, caso a filha tentasse forçar a porta e desistir do destino glorioso que tinha à frente de si. Rosa era, de fato, muito sozinha."
Meu conto favorito!

1 commento:

Mauricio ha detto...

Oi Gigi,

Lindo texto!!!!!!!!!

Vc está sumida, se tiver tempo apareça.
Boa semana;